segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

passeio pelo mundo das prostitutas

Essa matéria foi feita por mim e pelo Pedro, nós fomos até o local de trabalho dessas mulheres que aparecem na reportagem. Foi um trabalho muito interessante e acima de tudo importante para se despir dos preconceitos.


O ideal de ser apenas uma condição temporária


“Só pretendo ser do jeito que estou lá na certidão de nascimento. Senhorita Maria de Jesus, a que brilhar na noite do Bar e Boate Primor. Dama. Pra se sentar na minha mesa tem de ser doutor e outros brilhos [...] A senhorita poderia me dar o prazer? E a senhorita Maria de Jesus estende a mão, classe, enquanto o abonado vidra”.

Maria Jesus de Souza (Perfume de gardênia), João Antônio, 1986.


Como Maria de Jesus de Souza, personagem de João Antônio, as meninas daquela casa, também, querem um dia deixar aquela vida, voltar para o que eram na certidão de nascimento. Aproximam-se aos poucos, meio sem graça, carregando no rosto o sono dos trabalhadores noturnos. “Assim que me chamarem eu vou sair dessa vida, porque essa vida ninguém merece”. Aline espera uma vaga na frente de trabalho, e, enquanto essa oportunidade não vem, ela trabalha como garota de programa em uma casa noturna em Bauru. Está lá há pouco tempo. Mas o dinheiro que ganha já essencial para pagar todas as sua despesas.

Elas não sabem, mas têm uma profissão

Cem reais é o preço do programa, um valor que, segundo as meninas, foram elas que estabeleceram, e que pode variar “dependendo da necessidade do bolso”, mas sem depreciar o produto. “O mínimo é cinqüenta reais”. Embora, Aline e suas companheiras de trabalho tenham a noção de preços e valores, não enxergam o que fazem como uma prestação de serviço, um trabalho.
O Ministério do Trabalho reconhece a prostituição como uma atividade profissional dentro das determinações da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). No entanto, ainda não existe uma regulamentação da profissão dentro da legislação trabalhista. O Projeto de Lei do deputado federal Fernando Gabeira (PV), elaborado em 2003 com apoio da Rede Brasileira de Prostitutas, ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto esbarra no falso moralismo e na hipocrisia da sociedade, que enxerga a prostituição como, unicamente, um reflexo da desigualdade social. A mesma sociedade que recrimina o mercado do sexo é a que o mantém. Reflexo, sim, de umas das leis mais antigas do capitalismo: a da oferta e procura, no caso da prestação do serviço sexual.
Alheia a todas (as discussões sobre regulamentação do trabalho das prostitutas) essas discussões, Aline não vê vantagens na regulamentação ou não da profissão, já que para ela trata-se de uma condição temporária. “Você tem que ganhar o seu dinheiro logo. Se você demora, na sua velhice não vai estar aqui. Eu não me imagino com trinta anos aqui”. Não imagina, até porque, segundo suas estatísticas, não vai demorar muito para sair da casa em que trabalha, até porque sente vergonha do trabalho que realiza.
A Daspu, uma grife confeccionada pelas prostitutas ligadas a ONG Davida (Prostituição, Direitos Civis e Saúde) do Rio de Janeiro, é citada como uma iniciativa de mulheres que vêem a prostituição como um trabalho igual a qualquer outro, com seus deveres e direitos. Aline ouve pensativa a explicação sobre a grife, mas se diz disposta a empregar sua força de trabalho em uma iniciativa que mude o rumo de sua vida. Fez inscrição na frente de trabalho antes de se tornar garota de programa. Sente medo de que conhecidos descubram o que realmente faz.
Não seria menor a culpa das meninas se elas, no mínimo, enxergassem o serviço que prestam exigível de pagamento? A influência da marginalização a qual a profissão está submetida influi diretamente no comportamento das meninas. Aline não observa méritos em seu trabalho, tampouco se vê como uma profissional do sexo. “Eu tenho vergonha de mostrar para os outros”. Suas palavras soam a culpa de uma “criminosa”. Mas ganhar dinheiro dessa forma seria crime? Não judicialmente, mas moralmente na cabeça das meninas. Moral esta que, ao menos, deixa de perturbá-las quando o assunto são os benefícios trazidos pelo dinheiro.

O dinheiro entra em cena

“Pó-pó-pó-pó-pó-ró-pó-pó não marca, o que fala é a grana”.
João Antônio, 1986.

O que você já fez de melhor com o seu dinheiro? Aline pensa um pouco antes de responder. “Ajudei minha mãe, minha filha”. Ao fundo uma das meninas fala em tom de brincadeira: “comprei muita droga”, mas, logo desfaz a afirmação contando que ajudou a mãe a erguer sua casa. A ação de ajudar alguém com o dinheiro que ganha parece diminuir um pouco a sensação de estar cometendo um “crime”, mesmo que moral.
Ação que apresenta traços do que Karl Marx determinou como “alienação”. “O indivíduo, à medida que vai vendo aquilo como algo estranho, vai sentindo como sacrifício e mortificação o processo de trabalho. Ele tem uma atividade, mas como ele não se identifica na atividade que exerce e nas coisas que produz, para ele aquilo é um sacrifício”, explica Luis Fernando da Silva, professor do Departamento de Ciências Humanas da Unesp de Bauru. Uma sensação de repulsa da atividade exercida acompanha as meninas no seu dia-a-dia na casa noturna. "A gente ouve muitas coisas ruins", relembra Aline.
Histórias de vida e justificativas pessoais à parte, a relação de mercado na prostituição é igual a qualquer outra no capitalismo. “Na verdade temos que tratá-lo como mercado de troca sexual, embora ele tenha uma questão simbólica na identificação entre clientes e essas pessoas”, ressalta o professor Luis Fernando.
As meninas ali não têm a noção de que estão inseridas nesse “mercado” e que vendem suas “qualificações”. Segundo Luis Fernando, existem “qualificações de tipos de pessoas. Que vão desde corpóreas, visuais, até habilidades sexuais, acúmulo de conhecimento nessa área”. Porém, as relações capitalistas estão muito presentes no cotidiano das meninas, tanto que se refletem nas falas e explicações.
Aline comenta a multa que precisa ser paga quando a menina sai da casa para fazer o programa fora. “A casa que coloca a multa, deve ser uns 80 reais”, e funciona semelhante a uma rescisão de contrato - um reembolso da relação da garota de programa com a casa, que, também, é de troca. As meninas têm um local para dormir e comer e, em contrapartida, funcionam como uma espécie de atrativo a mais para o estabelecimento.
Como no comércio, que tem seus períodos de intensas vendas, no mercado do sexo, também, existe a época de maior atividade e produtividade. Dessa vez quem falou foi Amanda. “Do mês cinco em diante é melhor, porque aí já passou natal, páscoa, dia das mães, as festas, aí o pessoal vai juntando mais dinheiro pra gastar com nós... fofas”.
Quando o assunto é o que mais vende dentro deste mercado, afinal, qual é o diferencial de uma menina para outra? O que faz com quem uma tenha sempre clientes, às vezes até fixos, e outras não? Aline não sabe dizer o porquê. Arrisca a questão da idade, que funciona matematicamente numa equivalência das grandezas proporcionais. Quanto mais novas, mais requisitadas. “Quando os caras vêem uma mulher de trinta anos já falam: ‘e aquela coroa ali’”.
Não acredita na aparência como ponto forte. “Tem uns clientes chatos que ligam para aparência, mas não são todos”. A garota acha que o diferencial está na personalidade, “na forma de tratar o cliente”. No entanto, não descarta a importância de estar produzida, afinal, a casa é como uma grande vitrine e quem estão expostas ali são as próprias meninas.
Não se trata de observar as meninas como “pessoas-objeto”, mas, de notar que se está oferecendo a sua força de trabalho, enquanto profissionais do sexo – e pelo preço que elas mesmas estipularam. “Você não está indo porque gosta, você está indo pelo dinheiro, por causa do dinheiro”.

O dinheiro levanta a casa, mas não diminui a vergonha

“Se isto for boa vida, berimbau é gaita-de-fole e paralelepípedo, pão-de-ló”
João Antônio, 1986.

Campanhas como “Sem vergonha, garota. Você tem profissão”, lançada pela Coordenação Nacional de DSTs e Aids; Jornal “Beijo da Rua”, publicação da ONG Davida; a já citada Daspu, entre outras iniciativas, não surtem efeito no interior, apontando para uma característica: o amadorismo que predomina entre as profissionais do sexo. Essa falta de consciência da profissão, aliada às próprias condições de trabalho – e os motivos, quase sempre desfavoráveis, que levaram as meninas até a casa noturna e à vida de garota de programa – acabam relegando essas mulheres ao submundo do trabalho. Submissão justificada pelo dinheiro. Dignidade adquirida pela possibilidade de reconstruir a vida.
Aline não se diz contente com o que faz. Volta a já citada vergonha. “Se não fosse assim, eu trabalhava na minha cidade mesmo”. Mas, a vida carregada de culpa, que clama por outros caminhos, logo entra em contradição quando o assunto é a casa ou o dinheiro que ganha. “Trabalhar ali é muito bom, dá para ganhar dinheiro”. Recorda que foi a própria irmã que a fez conhecer a vida na casa noturna. “Minha irmã já levantou a casa e já tem os móveis”, justifica. Nesse sentido o dinheiro parece compensar as atitudes por parte dos clientes, que elas têm que aceitar. “Quando você entra no quarto, não sabe o que vai acontecer, o cara pode puxar seu cabelo, te xingar, alguma coisa vai acontecer”.
A palavra “sexo” parece não fazer parte do vocabulário delas. Tampouco se pronunciam sobre as coisas que fazem dentro do quarto. Preferem dizer “programa”, termo genérico que se aproxima mais da relação de mercado entre elas e da oferta de suas “habilidades”. Termo que absolve parte da vergonha da prática sexual mediante pagamento. Mas que não tira o brilho do sacrifício das coisas que conquistaram com o dinheiro. Um jogo de culpa e justificativa. Amanda fala mais uma vez. “Entrei numa condição: trabalhar, cuidar do meu filho e construir a minha casa”.
A acumulação do capital faz gerar os primeiros frutos, que devem ser cuidados com apuro. “Se você não souber usar, você acaba gastando”, lembra Aline. O dinheiro as faz carregarem o desejo de construir. A construção de uma casa. De uma vida. “A vida é cheia de sonhos”.

Um comentário:

Andre Muniz Machado disse...

Ma amarrei no seu blog, muito bom mesmo parabens.