Primeira Parte - Negro Drama
Senzala versus Casa-grande: Análise da Música Negro Drama
“Quem mora na senzala não vai confiar nunca em quem morou no casarão. Nunca vai confiar. Dificilmente o Brasil vai ter a colaboração de um com o outro”
Mano Brown (Setembro de 2004)
A música Negro Drama do álbum Nada como um Dia após o outro Dia trata-se de uma narrativa acerca do cotidiano do negro no Brasil, o negro pobre e favelado que, na narrativa, vive na grande “floresta de concreto e aço” que é a cidade de São Paulo. A letra é dividida em duas partes distintas, na primeira Edy Rock discorre sobre “o drama de ser negro”, como sugere o título, já a segunda parte cantada por Mano Brown é relato autobiográfico, o drama particular do MC. O discurso de Mano Brown aparece como um exemplo dos relatos do outro MC, embora o discurso de Edy Rock assuma a primeira pessoa em diversas passagens (O trauma que eu carrego, Eu sou irmão, eu era a carne), somente no início da fala de Mano Brown fica claro a intenção de contar sua própria trajetória.
NEGRO DRAMA entre e o sucesso, e a lama,
dinheiro, problemas, Invejas, luxo, fama.
NEGRO DRAMA cabelo crespo, e a pele escura,
a ferida a chaga, a procura da cura
NEGRO DRAMA, tenta vê, e não vê nada,
a não ser uma estrela, longe meio ofuscada.
Sente o drama, o preço, a cobrança,
no amor, no ódio, a insana vingança [...]
O trauma que eu carrego, pra não ser mais um preto fudido.
O drama da cadeia, favela, túmulo, sangue,
Sirene, choros e velas, Passageiro do Brasil, São Paulo.
No trecho inicial transcrito acima, Edy Rock descreve de forma pontual o paradoxo presente no cotidiano do negro brasileiro através das palavras de cunho positivo sucesso, dinheiro, cura, luxo, fama e negativo lama, problemas, inveja, ferida todos termos inerentes a sua simbologia, seja no desejo do ter ou na realidade, respectivamente. Esse “drama” sofrido pelos negros é lugar comum no cotidiano da favela, porém, a mensagem ganha importância no destino a que ela pretende. As letras de rap costumam ter um receptor de cada mensagem definido
"A voz do cantor/narrador dirige-se diretamente ao ouvinte, ora supondo que seja outro mano - e então avisa, adverte, tenta "chamar à consciência" - ora supondo que seja um inimigo - e então, sem ambigüidades, acusa".
O receptor, implícito nessa música, é as classes alta e média, embora retrate o drama dos negros no Brasil, a letra não possui apenas essa parcela da sociedade como alvo. Algo que é comprovado nos trechos abaixo
Você deve tá pensando,
o que você tem haver com isso [...]
Então olha o castelo e
não foi você quem fez [...]
Hey, Senhor de engenho,
eu sei,bem quem é você é [...]
Admito, seus carro é bonito é,
eu não sei fazer, internet, video-cassete [...]
Hey bacana, Quem te fez tão bom assim [...]
Sobretudo na primeira frase está essa intenção do enunciador, de falar com as classes mais altas e não apenas com o seu igual
"A frase é endereçada a quem os escuta, mas certamente não aos negros, não àqueles que vivem o negro drama, a quem não ocorreria dúvida de que o rapper suspeita haver em seu interlocutor. O verso parece expor a consciência de que, afinal, ele não fala apenas para os seus iguais, mas para uma população mais ampla, talvez a sociedade como um todo".
Na mesma simbologia do negro como representante da classe social mais baixa, a figura do branco aparece como o sujeito da classe dominante. Com a definição dos personagens da narrativa e para quem ela fala começa construí-se a relação entre os dois. Um relacionamento permeado pela tensão, num primeiro momento existe a descrição do drama do negro sempre entre dicotomias presentes nas palavras sucesso e lama, dinheiro e problema, fama e inveja, cura e chaga, o objeto de desejo e aquilo que culturalmente sobra pra ele, como já foi afirmado anteriormente - o paradoxo. Depois a indagação ao outro e a resposta está na própria trajetória do negro como escravo no Brasil
Você deve tá pensando,
o que você tem haver com isso
Desde o inicio, por ouro e prata
Com essa resposta o enunciador busca na tradição a razão da situação desprivilegiada do negro, e o destinatário da mensagem é culpado ao passo que é complacente e fomentador dessa tradição como segue
Me vê ,pobre, preso ou morto,
já é cultural, histórias, registros, escritos,
Não é conto, nem fábula, lenda ou mito,
Não foi sempre dito, que preto não tem vez,
então olha o castelo e não foi você quem fez cuzão..
O tom de agressividade embutido pelo enunciador procura ratificar a figura do negro no imaginário social em que ele está sempre em segundo lugar, embora tenha sido essencial para edificação do país. Algo que já é cultural, embora velado. No trecho comprova-se a forma como a sociedade o vê, comum em certos locais (prisão, periferia) e estados (morto, pobre). Segue-se no trecho o enfoque de que é algo real, inegável e registrado ("histórias, registros, escritos/ Não é conto, nem fábula, lenda ou mito").
Notas
RACIONAIS MC´s. Negro Drama. In: ______. Nada como um dia após o outro dia. São Paulo: Zâmbia, p.2002. 2 CDs. CD 1 (56 min 02s), faixa 5 ( 6min 51s)
ATHAYDE, Phydia de. Brown: o mano Charada.Carta Capital.São Paulo, n.310, p.10-17, 29.set.2004. p.16
KEHL, Maria Rita. Fratrias Órfãs. Disponível em: Geocities:
ZENI, Bruno. O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva, fev.2004. Disponível em: Revista Scielo
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